Por onde anda o bom senso?
Sexta, 2 de Abril, 2004
Por onde anda o bom senso?
É difícil saber atualmente o que é jornalismo sério e o que não é.
Vejam essa revista Carta Capital. Concordo que não é fácil para mim analisar uma revista que tem uma orientação tão diferente da minha, mas certos pontos devem ser independentes. Para começar, somente analisando as últimas capas dessa revista ("O apocalipse bate à porta", "Os EUA grampearam a Alvorada", "A lista dos espiões americanos no Brasil") uma pessoa de bom senso já saberia que a linha deles é um tanto sensacionalista. E como qualquer mídia desse tipo, o objetivo principal não é somente informar, mas sim chocar. E provavelmente ai está a raíz do problema.
Bom exemplo é essa entrevista com Carlos Costa, o suposto "chefe do FBI no Brasil por quatro anos". Obviamente, é impossível saber se o que esse cara disse é verdade ou não. Nenhum outro jornal ou revista de credibilidade falou com essa pessoa, não tem como se ter um parâmetro.
Agora, deixando tudo isso de lado, analisem certos pontos dessa entrevista:
- Primeiro ponto, o tal Carlos diz que "A Polícia Federal brasileira foi comprada pelos EUA". Ok, e quais sao os fatos fornecidos para confirmar tal história? Ele diz que "No ano passado, a DEA doou uns US$ 5 milhões, a NAS (divisão de narcóticos do departamento de Estado), também narcóticos, uns US$ 3 milhões, fora todos os outros." Nomes dos envolvidos? Nenhum. Nem dos americanos envolvidos, nem dos brasileiros envolvidos, nada.
- Segundo, ele diz que "Os EUA manipulam e compram jornalistas da imprensa brasileira". Foi aqui que dei minha primeira risada, e o resto de seriedade da entrevista se perdeu para mim. Será que esse cara confundiu Brasil com Colômbia? Será que ele já deu uma olhada nos jornais brasileiros ultimamente? Eu sempre peço para meus amigos de esquerda que chegam com esse papo que me citem só alguns, digamos 3 ou 4 jornalistas pró-EUA que escrevam para nossos grandes jornais ou revistas. Tirando o Olávo de Carvalho, que não é jornalista e sim analista, eu não sei de ninguém que tenha por exemplo apoiado a guerra no Iraque. E se realmente existe esse esquema elaborado de viagens pagas para os EUA, acredito que seria muito fácil provar o envolvimento desses jornalistas, não é mesmo?
Mas novamente esse Carlos não cita nome nenhum.
Aliás, é interessante parar e pensar o seguinte: Esse cara critica os EUA do começo ao fim, nos mais diversos aspectos, desde as informações sobre o Iraque até a economia,
pintando uma imagem de um governo americano terrível. Então, se o governo dos EUA é essa máfia, essa entrevista foi um grande risco que ele assumiu, correto? Porém, mesmo depois de desafiar os super-poderosos americanos, ele não quis arriscar seus 'contatos brasileiros' e fornecer um nome sequer que pudesse confirmar suas acusações ou não?
Algumas pessoas vão logo achar que eu "não quero acreditar nesse tipo de coisa" (afinal, eu sou o "eterno defensor dos EUA" para esse pessoal). Mas não é nada disso. O que eu quero é que se faça algo concreto. Se existe essa rede de corrupção e manipulação no Brasil atual, quero mais é que os responsáveis brasileiros e americanos sejam punidos da forma mais dura possível. Mas o negócio tem que ser sério. Sair por ai falando tudo isso sem o mínimo de provas, é nada mais que uma fofoca disfarçada de jornalismo.
E os artigos continuam nessa linha, levaria horas e horas analisando inconsistências como essas. Vejam bem, não estou dizendo que tudo que é escrito nessa matéria ou nessa revista é mentira. Não duvido nada que o mundo possa acabar, que os EUA tenham agentes em sua embaixada brasileira, e mesmo que os telefones de Lula tenham sido grampeados. O problema são as inferências, as enormes redes conspiratórias que se desenrolam, invariavelmente sem provas, e que no máximo são baseadas em extrapolações duvidosas.
E o pior de tudo é que esse tipo de informação se alastra como fogo. Recebi vários emails com links para essas matérias, como se estivessem me mostrando uma descoberta fantástica. Lógico que o problema é que essas pessoas somente leram o que queriam ler, e o prazer por alguém ter escrito aquilo é muito maior do que qualquer vontade de analisar o que realmente foi ou não foi dito ali.