Thursday, June 30, 2005

Reparando o irreparável

De todas as idéias "progressistas" que surgem aqui pelos EUA (e não são poucas) uma das mais absurdas é a da "Reparations to African Americans", isto é, reparação aos negros pelos abusos da época da escravidão.

A teoria é que a população negra atual ainda sofre com as conseqüências do passado de escravidão. As idéias sobre como poderia-se efetuar essa ajuda vão desde uma isenção de impostos até uma mensalidade a la social security.

Discutir se os negros de hoje em dia ainda sofrem com o passado escravo é um exercício de subjetividade. Todos concordam que tudo aquilo foi um absurdo, a situação foi legalmente corrigida, e os negros atualmente tem os mesmos direitos dos brancos. Se culturalmente essa bronca ainda não passou (o que é compreensível), não vai ser com dinheiro que a situação vai ser corrigida. Desigualdade econômica tem que ser combatida com acesso a educação e melhora da infraestrutura geral. E desavenças étnicas só passam com o tempo.

Mas o pior de tudo é que esse tipo de plano, além de perpetuar uma relação de desigualdade racial, é essencialmente injusto.

Como é que pode se exigir que todos os brancos paguem por um erro que foi cometido somente por um grupo comparativamente pequeno de antepassados? E os brancos que chegaram aqui depois do fim da escravidão? Será que eu tenho que pagar só porque minha pele é de uma cor X? Ou talvez por eu ter vindo do Brasil eu posso me considerar "hispânico" e não branco?

E mais, o que dizer aos imigrantes irlandeses que fugiram da opressão dos ingleses? Será que os imigrantes brancos ingleses tem que pagar uma indenização para eles também? E os asiáticos pagam? E os de raça misturada, tem desconto?

Quer dizer, é simplesmente impossível corrigir algo que aconteceu centenas de anos atrás e fazer com que somente os que lucraram com um abuso indenizem os descendentes daqueles que realmente sofreram.

A história é imutável, e o que devemos lutar é para que vergonhas como essa não se repitam. Tentar quantificar essa dívida moral e pagar discriminação com mais discriminação não é a saída.

Monday, June 27, 2005

Iraque e a opinião pública

Muitos consideram que o discurso de amanhã em Fort Bragg, na Carolina do Norte, será uma das últimas chances do Bush elevar o apoio popular pela guerra, e assim evitar uma retirada prematura das tropas do Iraque.

Parte do pessimismo vem da última pesquisa do Pew Research Center. Ela mostra que 46% dos americanos querem que as tropas saiam do Iraque imediatamente, enquanto 50% ainda acreditam que deve-se esperar até que a situação se normalize. Essa pesquisa também mostra que 44% dos americanos se dizem "menos envolvidos emocionalmente" no conflito. Trinta e cinco porcento acham que esse será um "novo Vietnã", enquanto 47% acham que os EUA vão conseguir pacificar o Iraque.

Já a pesquisa do Washington Post mostra que 51% dos americanos desaprovam o governo atual, enquanto 48 aprovam (o mesmo que no mês passado). Entretanto, essa pesquisa mostra que 53% da população está otimista em relação ao Iraque - um aumento de 7 pontos em relação aos resultados de Dezembro de 2004.

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Esse assunto me fez lembrar de uma história "alternativa" que o guia da minha visita à Pearl Harbor contou. Basicamente, essa versão diz que FDR sabia do ataque japonês, e que conscientemente decidiu deixar acontecer. Ele acreditava que a entrada americana na guerra era inevitável e necessária, mas como a opinião pública era altamente contrária (aproximadamente 75%), não havia outra alternativa senão permitir que os japs atacassem primeiro. (Ele disse ter se baseado nesse documentario da BBC: "Sacrifice at Pearl Harbor").

O coro pacifista (isolacionista) naquela época vinha de todos os lados: direita, esquerda, religiosos e ateus. Dos comunistas do "Keep America Out of War Congress" à os facistas do "America First Committee". (boa referência aqui).

Fico imaginando o que teria acontecido se o fim da história fosse outro, e estivéssemos todos falando alemão e batendo continência para a Swastika. Será que esse tipo de reação fisiológica deixaria de ser o 'default'? Será a "opinião pública" capaz de aprender algo, por maior que seja a paulada?

Oublie ça mon ami!

Saturday, June 25, 2005

Eminent disaster

A Suprema Corte americana decidiu essa semana, por 5 votos à 4, que governos locais podem tomar terras privadas mesmo quando o destino dessas terras é o uso de outra entidade privada. Isto é, o governo pode tomar (comprar na marra) sua terra para que um Wal Mart seja construído.

A decisão na verdade foi sobre a extensão dos poderes da quinta emenda da constituição americana (conhecida como lei do "Eminent Domain"), que dá ao governo o poder de tomar propriedade privada para o "bem público". Históricamente, isso significava a construção de estradas, escolas, etc.

O argumento de agora é que a criação de negócios gera impostos, e que os impostos são então usados para o "bem público".

Não é surpresa que esse pessoal tenha aplaudido a decisão. "A welcome vindication of cities' ability to act in the public interest."

Também não é surpreendente notar quais juízes votaram à favor (John Paul Stevens, Anthony Kennedy, David H. Souter, Ruth Bader Ginsburg e Stephen G. Breyer) e quais votaram contra (Sandra Day O'Connor, William H. Rehnquist, Antonin Scalia e Clarence Thomas).

O que é interessante é entender que os democratas/socialistas preferem confiar no explosivo conchavo corporações-governo do que na habilidade individual de cada cidadão. Afinal, nada impedia que os Wal Marts da vida comprassem as propriedades privadas. O negócio é que nem sempre as ofertas eram adequadas, e outras vezes as pessoas simplesmente não queriam vender suas casas por motivos subjetivos.

Mas agora nada disso importa. O governo não somente vai impor sua vontade, como vai determinar o preço a ser pago pela propriedade (adivinhem se é mais ou menos que o preço de mercado). E depois ainda acusam os Republicanos de favorecerem as corporations.

Lógico que os à favor da decisão deixam claro que "o poder tem que ser usado com cautela" e que "o governo não pode ser manipulado por forças externas". Eu conheço uma boa também, da loira e do papagaio.

Eu não consigo pensar em uma derrota maior do cidadão comum americano.

Friday, June 24, 2005

Globalização

O NYT pode ter seus problemas, mas tem reportagens muito interessantes. Esses últimos dias tem sido especialmente bons quando o assunto é globalização.

Primeiro, um artigo que fala sobrea terceirização de programadores para Índia pela IBM. Eu sempre acho graça quando nego tenta disfarçar interesses próprios como se fossem universais. Afinal, quando o tal Lee Conrad, coordenador de um sindicato ligado à IBM diz que "In all this talk of global competitiveness, the burden all falls on the workers." ele não está pensando em todos "trabalhadores", não é mesmo? Os indianos que vão poder sair da pobreza agradecem.

Outro artigo trata de um dos meus assuntos preferidos: a industria automobilistica americana. Desde o fim da década de 60 o governo americano fez de tudo para proteger as montadoras locais. Bilhões de dólares depois, as empresas japonesas, alemãs e coreanas continuam produzindo produtos melhores. A vantagem é tão grande que essas empresas aceitaram construir fábricas nos EUA e continuam levando vantagem. Atualmente, um quarto de todos os carros produzidos nos EUA é de marca estrangeira. Essas empresas empregam 60.000 pessoas (as americanas ainda empregam mais, 250.000), mas enquanto Ford e GM cortam pessoal, eles continuam contratando.

Depois de modernizar o Reino Unido, o Blair agora quer mudar a UE. A proposta inicial é diminuir os subsidios à agricultura, reduzir os deficits, e aceitar novos membros como a Turquia. Ganha um prêmio quem adivinhar quais países não gostaram muito da idéia.

Esse Blair adora uma confusão (no bom sentido).

Wednesday, June 22, 2005

Backed up

Fiquei esses dias sem tempo para postar e é como se uma pilha de assuntos tivesse entalado na minha garganta. Como ainda vou ficar sem tempo até a próxima semana, aqui vão umas 'rapidinhas':

- Globalization: It's Not Just Wages. Artigo sobre como a globalização proporciona a melhor busca de oportunidades, o que nem sempre significa mão de obra barata.

- Não tenho a menor idéia do que o tal Cesar Maia fez ou deixou de fazer pelo Rio de Janeiro, mas esse editorial dele está muito bom. Segundo ele, os quatro maiores problemas ("cavaleiros do apocalipse") do Brasil são:
1) Insegurança jurídica: precatórios vencidos de valor próximo a R$ 100 bilhões; Créditos tributários ignorados pelo governo estimado em mais de R$ 50 bilhões; Justiça Alternativa praticada por centenas de juízes em todos os lugares; Insegurança crescente quanto ao direito de propriedade (MST).
2) Insegurança política: Perda de poder das agências reguladoras; tentativa de amordaçar o Ministério Público e de limitar a imprensa com a criação de conselhos; infiltração na máquina profissional do Estado de agentes políticos; a tentativa de intervir na Federação por decreto; a ascendente sinalização da política externa quanto aos modelos que inspiram o atual governo e a desmoralização do Legislativo.
3) Insegurança econômica: Errático movimento da taxa de câmbio; Previdência estatal; carga tributária.
4) Insegurança administrativa: Inapetência do presidente para o ato de governar; Orgia de conselhos, grupos e instâncias coletivas de todos os tipos, que arrastam questões emergentes para um prazo indeterminado; Inexistência de controles jurídico e financeiro internos.

- The Ethical Brain. Uma review desse livro que parece ser bem interessante. Será que é possivel aumentar a inteligência geneticamente? Será que essa indústria acabará com o conceito de competição atual? O primeiro capítulo está disponível aqui.

- Por último, a lei que proíbe o uso de animais em apresentações de circo. Acho que esse tipo de lei é um presságio de uma discussão maior: O que é um animal? Continua a ser somente um "resource" (e nesse caso sem direito algum)? Ou será que chegamos num ponto aonde o uso dos animais é desnecessário, e por consequência somente um abuso? Acho que estamos no meio do caminho. Muitos ficam chocados quando ouvem sobre como os animais são tratados, mas ao mesmo tempo ainda acham que comemos carne por necessidade. Tratamos nossos cachorros como membros da família, mas não damos a mínima se coelhos ou porcos são desnecessariamente mutilados e torturados em todo tipo de experimento sem o menor controle.

Enfim, vai chegar uma hora em que essa hipocrisia vai ter que ser pelo menos discutida abertamente.

Friday, June 17, 2005

Como ajudar a África?

Um novo estudo da International Policy Network sobre as consequências da ajuda internacional à África conclui que o envio de dinheiro não somente é ineficaz, mas muitas vezes altamente prejudicial aos países recipientes.

Entre 1970 e 2000, a África recebeu US$400 bilhões de ajuda. Como mostra o gráfico, existe uma correlação inversa entre ajuda e crescimento econômico:



Na verdade, essa relação não é exclusiva da África. Em menor escala, a Ásia mostra o mesmo problema:


O estudo mostra que o dinheiro vindo de doações raramente é usado em educação e saude. Apesar disso, os gastos governamentais crescem exatamente na mesma proporção em que a ajuda cresce (gráfico abaixo). Os governos se tornam mais poderosos, já que a renda é independente da taxação da população, e muitas vezes a corrupção permite que os dispositivos de controle sejam ignorados, e o 'nivel de democracia' diminui, aumentando o ciclo de pobreza. Adicione a tudo isso o fato de que a maioria desses países passaram os últimos 30 anos destruindo sua economia interna com programas socialistas, e fica fácil entender o porquê da pobreza endêmica do continente.



Existem porém algumas exceções. A Uganda, depois de décadas de desastre (GDP per capita caiu 40% entre 1971–85) resolveu abrir sua economia em 1987, e cresceu em média 6.9% ao ano durante a década de 90. Nesse caso a ajuda internacional foi um dos fatores que ajudou o país a se reerguer.



Mas sem dúvida, o caso de maior sucesso econômico na África é o da Botsuana. De país mais pobre do mundo em 1966 (ano da sua independência) a um GDP per capita de U$9.200 (O Brasil tem GDP per capita de U$8.100). Claro que Botsuana não é nenhum paraiso, mas comparativamente a melhora é indiscutível. E quando se analisa o impacto da ajuda internacional, novamente o quadro se repete:



Em resumo, o estudo conclui que o crescimento econômico não depende do nível de ajuda internacional recebida por um país, mas sim de fatores qualitativos como:
- a estrutura legal do direito à propriedade
- a capacidade do sistema judiciário em aplicar eficientemente leis universais e claras
- o tamanho do governo e sua eficácia na implementação de serviços públicos
- a abertura da economia para o comércio e investimento internacional

O estudo tambem conclui que seria mais lógico diminuir o nível de ajuda internacional, e atrelar qualquer dinheiro a reformas internas. Mesmo nesses casos, qualquer ajuda deveria ser à curto prazo. Os países ricos ajudariam muito mais se diminuíssem (eliminassem) os subsídios internos para agricultura.

Thursday, June 16, 2005

Guantanamo e os loucos democratas

Que a anistia internacional compare Guantanamo aos gulags é até compreensível. Mas que um senador americano faça o mesmo, incluindo na comparação os nazistas e Pol Pot, é inconcebível.

O ridículo da situação ficou ainda mais evidente quando o senador democrata Dick Durbin usou como exemplo o caso de um prisioneiro preso numa sala aonde o "ar condicionado era às vezes ligado muito frio, e em outras completamente desligado".

Será que o senador é louco o suficiente para realmente acreditar que esse tipo de comparação é possivel? Será que comparar prisões na Sibéria, aonde mais de 60% dos milhões de prisioneiros morriam (muitas vezes congelados), com uma prisão aonde nenhum dos 520 prisioneiros morreu faz o menor sentido?

E não achem que o tal Dick é qualquer senador. Ele é considerado o democrata número 2 no senado, e era cotado para ser vice do Kerry.

A loucura maior é que Guantanamo é um assunto importante, e muitos aspectos tem que ser discutidos. Mas esse tipo de ataque histérico acaba atrapalhando qualquer tipo de debate. Quem vai aceitar qualquer crítica depois de uma apelação como essa?

É por isso que apesar das continuas cagadas dos republicanos, os democratas continuam perdendo. É simplesmente impossível levar à sério esses democratas atuais.

Tuesday, June 14, 2005

Bola de neve

Segundo a NPR, a grande maioria dos alemães considera que a principal função de qualquer empresa é "criar empregos seguros". A maioria também se diz contra o "capitalismo anglo-saxão", definido como a busca do lucro acima de qualquer outra coisa.

Enquanto isso, a taxa de desemprego na Alemanha continua subindo, chegando a 10.5% em Abril. Já a taxa de desemprego no Reino Unido chegou no nível mais baixo dos últimos 20 anos, 4.2%. A mesma taxa nos EUA é de 5.1%.

Ainda nessa reportagem da NPR, empresários alemães confirmam que essa busca institucional por segurança no emprego é a principal causa do desemprego. Os entraves para se demitir um funcionário são tão grandes (eles tem que "provar" a necessidade) que ninguém contrata. Com isso as empresas deixam de produzir, perdem competitividade, e o ciclo de desemprego aumenta.

Parece uma parábola da Ayn Rand. Some people never learn.

Monday, June 13, 2005

Trade-offs

Até a semana passada, o Canada era o único país do mundo (Cuba e Coréia do Norte são café-com-leite) a proibir qualquer forma de seguro de saúde privado, e consequentemente obrigar seus moradores a usar o sistema público.

Mas semana passada esse experimento acabou, graças à George Zeliotis. Em 1997, ele soube que teria que esperar na fila por mais de um ano pela sua operação de quadril. Mas ao invés de fazer o que a maioria faz, i.e. pular a fronteira e usar os hospitais de Chicago ou New York, ele resolveu comprar a briga. E depois de 8 anos e duas derrotas nas cortes municipais, ele venceu.

Esse artigo me fez lembrar deste outro, aonde os sistemas de saúde dos EUA e do UK eram comparados.

O Thomas Sowell como sempre matou na mosca:
"There are no solutions to modern health care problems, only trade-offs."

Saturday, June 11, 2005


Sábado, 11 de junho, 2005

Ah Bill...

Fomos ver o Bill Maher ao vivo nessa quarta passada. Eu, minha mulher, e aparentemente todos os democratas da região de Washington. Provavelmente eramos os únicos do teatro sem tatuagem, piercing ou bandanas. Ah, provavelmente os únicos também a não gritar "Uh Uh" a cada 3 segundos.

Anyway, eu já tinha comentado que apesar de achar o Maher looney left, assisto o programa dele toda semana. Estava esperando que o show fosse parecido com o programa de TV, quer dizer, estava otimista mas sabia que o lado loony poderia prejudicar.

Infelizmente, foi uma decepção.

Os primeiros dois terços do tempo foram inteiramente dedicados ao Bush. Uma piada boa aqui e ali, mas no geral somente as mesmas rotinas de sempre. Ele até admitiu que a birra com o Bush é exagerada ("When Blair talks about the war it makes a lot of sense to me!") e criticou os democratas aqui e ali, mas mesmo assim essa ênfase no Bush parecia mais paranóia (ou falta de material) do que qualquer outra coisa.

Quando estavamos quase desistindo, ele deixou a política de lado e tudo melhorou. A melhor parte foi quando ele "traduziu" letras de rap para "white".

Mas mesmo assim, o show foi muito abaixo de esperado. Além do material muito batido, tudo foi muito scripted. O wit que ele passa no show da TV se perde nas piadas lineares e punch lines óbvias.

Por último, uma observação. Nao sou cristão, mas imagino se seria possível fazer as piadas que ele fez com outras religiões sem ser chamado de "anti" alguma coisa. Tirar sarro é uma coisa. Mas se ele dissesse que ser muçulmano é uma doença mental, acho que ele teria problemas.

Bom, mas ele também comparou cafeína com cocaína numa diatribe à favor da maconha. Deve ser a tal "liberdade artística" em ação.

Way too looney for me.

Thursday, June 09, 2005


Quinta, 9 de junho, 2005

"Dutch Disease"

Esse artigo do Bresser chamado "Maldição dos recursos naturais" foi a primeira vez que ouvi falar dessa tal "Dutch Disease". Quer dizer, já tinha ouvido a essência da teoria outras vezes, mas não em termos econômicos.

Como não sou economista, resolvi chatear um de verdade. O Marcelo Tavares como sempre foi paciente, e explicou os detalhes. Acho que vale a pena postar para quem tiver interessado. Aqui vai:

"Dutch Disease é um fenomeno em que uma economia termina por concentrar muito da sua capacidade de produção na extração/produção de recursos naturais. Quando falo "muito" da sua capacidade de produção, estou falando de casos como Venezuela, Kuwait, Arábia Saudita, Chile em seus tempos de pobretão, etc. Países cujas economias dependem em elevadissimo grau de uma commodity para exportação.

Como funciona essa "doença"? Basicamente, a economia se calca fortemente em determinada commodity, essa commodity gera um volume enorme de exportações e entrada de divisas, que derruba o câmbio, o que incentiva as importações e diminui brutalmente a competitividade da industria interna dentro e fora do país. E como as taxas de retorno da commodity seriam superiores as da industria em geral, os recursos da economia terminam naturalmente sendo redirecionados para a commoditie em questão. Quando os preços se ajustam por alguma razão, a economia entra em crise profunda, e a recuperação é bastante complicada devido a concentração de recursos em um único setor. Isso é o que alguns economistas chamam de Dutch Disease.

No artigo, o Bresser, aquele do congelamento de preços e do milagre da multiplicação da inflação, tenta vender o seu maior fetiche: intervencionismo estatal.

O Bresser argumenta que os únicos fatores que fazem com que a agricultura brasileira seja competitiva são alta produtividade e eficiência, o que é uma mentira deslavada. As altas taxas de retorno da agricultura brasileira só são possíveis devido ao elevado subsídio que essa agricultura recebe, as linhas de crédito subsidiadas para exportação, e principalmente, pelo crédito barato e que não precisa ser reposto ao governo, condições as quais praticamente nenhum outro setor da economia tem acesso. Sem essas beneces, os outros setores da economia teriam condiçoes muito melhores pra disputar investimentos com a agricultura. Ou seja, a alocação de recursos para a agricultura no Brasil não é algo puramente natural, fruto de uma dádiva divina ou de vantagens comparativas, mas é uma alocação forçada, patrocinada pelo Estado.

Ou seja, se o Brasil sofre de Dutch Disease, trata-se de uma variante nova, a Dutch Disease estatal, com direito até a perdão de dívida devido a má alocação de recursos.

E tem mais. O comercio externo do Brasil é bastante pequeno em relação ao tamanho do PIB, e esse dinheiro só fica por aqui devido as altissimas taxas de juros reais que o país oferece. Esses dois fatores - convenientemente omitidos na simplificação do Bresser - somados aos subsídios oficiais (subsidios a uma atividade que, numa Dutch Disease, deveria ser tão magnanima que sozinha desequilibraria ao resto da economia) que só cresceram nos ultimos tempos, e a alocação forçada de recursos que o Estado promove a agricultura refutam completamente a noção de que o Brasil estaria com uma Dutch Disease.

É o velho mantra dos economistas estatistas ressurgindo das cinzas: "Ah, o Estado não está resolvendo, então coloca mais Estado que agora vai".

Tuesday, June 07, 2005


Terça, 7 de junho, 2005

O outro lado da moeda

Depois de 5 meses de disputa nas cortes, acabou a eleição mais disputada da história dos EUA.

A Democrata Christine Gregoire derrotou o Republicano Dino Rossi por uma margem de 129 votos, de um total de 2.9 milhões, e agora é oficialmente a governadora do estado de Washington.

A primeira contagem de votos havia dado a vitoria à Rossi, por 261 votos. Depois da primeira recontagem, a diferença ainda à seu favor diminuiu para 42, e somente na terceira recontagem se inverteu para os 129 votos de vantagem dos Democratas.

Durante o processo judiciário 1.678 votos ilegais foram encontrados, mas o juiz do King County, o maior condado democrata do estado, recusou a maioria. A decisão oficial de hoje diz que "Unless an election is clearly invalid, when the people have spoken their verdict should not be disturbed by the courts."

A notícia não apareceu em nenhuma capa dos maiores jornais americanos. Não apareceu at all na Folha.

Desconfio que Michael Moore não tem planos de incluir a confusão no seu próximo documentário.

Sunday, June 05, 2005


Domingo, 5 de junho, 2005

Loucura

Essa foi uma dica do medialunas, um blog bem legal de um paulistano em Buenos Aires.

Coluna Análise do dia do Joelmir Beting:

" RECARGA NA OVERDOSE

E saiu a nova Selic: 19,75% ao ano. Trata-se da nova recarga da overdose. Overdose? Anote aí: a taxa real, descontada a inflação, está agora em 13,3% - versus 6,6% na Turquia, o segundo lugar. Ou versus 5,1% negativa, aqui ao lado, na Argentina.

A maior do mundo? Brasil! A menor do mundo? Argentina! A selic global está na média de apenas 1,2%. A dos 30 países mais desenvolvidos, 0,6% na média. A dos 30 maiores emergentes, sem o Brasil, 1,8%. Aqui, 13,3%.

Mais uma vez, o José Maria de Jesus, meu taxista favorito, acaba de me questionar pelo retrovisor: "Ué, se é assim, um dos dois deve estar com o juro errado: ou o brasil ou o mundo..."

Claro, só pode ser o mundo.


E A CULPA?
Mais uma vez está todo mundo discutindo os juros na base, esquecendo-se do problema maior, o dos juros na ponta.

Sim, na ponta do crédito bancário para produção e consumo. Vamos continuar pagando no Brasil até 67% ao ano para produzir e, em média, 144% ao ano para consumir.

Pior, a classe média paga, agora em maio, 156% no cheque especial e 218% no cartão de crédito. E a classe pobre, sem banco?

A classe pobre não tem banco, mas tem crédito. O crédito fácil das financeiras. E nas financeiras, ela está pagando, este mês, em média 275% ao ano. Em alguns casos, mais, até 500% ao ano. As financeiras não têm remorso - elas lavam as mãos, feito Pilatos, dizendo "A culpa é da Selic!"
"

Meio contraditório esse final, não acharam?

Primeiro diziam que a culpa de tudo era do FMI. Agora que "estamos livres", não pode mais ser, correto? Talvez seja culpa do capitalismo... Mas ai o Brasil tem que ser o unico pais capitalista do mundo. Ah, vamos então culpar os bancos e financeiras!

Até nossos bancos são especiais pelo jeito.

Wednesday, June 01, 2005


Quarta, 1 de junho, 2005

Charlton Heston e eu

Melhores partes desse interessante artigo do sociólogo Eduardo Graeff para Folha de hoje:

"Esta é uma das melhores que eu conheço do folclore político mineiro (pré-responsabilidade fiscal, claro). As professoras primárias do Estado, com os salários atrasados há meses, protestavam em frente ao Palácio da Liberdade."
...
"O governador, aflito: "E aí, como é que faz?". Branco total. Até que o secretário da Administração, político tarimbado, deu uma saída: "Bom, governador, já que não é para pagar mesmo, por que o senhor não anuncia um aumento para as coitadas?"."
...
"A polícia arquiva uma quantidade espantosa de inquéritos sem apontar culpados. A morosidade da Justiça deixa criminosos identificados escapar da punição graças à prescrição legal. Milhares de mandados de prisão não são cumpridos por falta de vaga nas penitenciárias. Mas tudo bem: se não conseguimos aplicar a lei na vida real, por que não deixá-la mais dura no papel e dar uma satisfação para a coitada da sociedade?
Receio que algo parecido possa acontecer com a proibição do comércio de armas de fogo. A lei já proíbe o porte de arma pelos cidadãos em geral; a venda de armas a pessoas com antecedentes criminais; a posse de armas classificadas como de uso restrito; disparar arma de fogo em área habitada ou via pública; o comércio não autorizado de arma de fogo. E pune as violações com penas que vão de um a oito anos de prisão. Que bom, não é? Melhor, só se fosse de verdade."
...
"Meu receio não é que a proibição do comércio de armas seja simplesmente inócua. É que ela acabe agravando o mal que deveria remediar e esse brasileiro teimoso acabe sendo empurrado para os desvãos entre a lei e o costume onde habitam os jogos de azar (exceto as loterias federais e estaduais) e o tráfico e uso de drogas (exceto as engarrafadas por multinacionais).
O contrabando de armas pesadas já é um rico filão do crime organizado. Qual o problema de botar mais uns revólveres, pistolas e a respectiva munição no catálogo para a clientela que hoje se abastece nas lojas de armas?

Tenho inveja dos lugares do mundo onde as pessoas nem pensam em ter uma arma em casa porque acham desnecessário. E dos lugares onde em todo caso não usam arma de fogo para atacar ou se defender de outras pessoas. Mas não me consta que esses lugares tenham chegado lá por decreto. Se for conferir, antes de restringir ou eventualmente proibir a oferta, eles passaram por mudanças sociais, políticas e culturais que diminuíram a demanda de armas na mesma proporção em que sedimentaram a confiança das pessoas na proteção do Estado.

Em dois minutos você e eu poderíamos listar uma dúzia de medidas que ajudariam a aumentar a nossa confiança no Estado. Um primeiro item modesto, mas promissor, seria confiscar os telefones celulares que os chefes do crime organizado usam para comandar seus soldados de trás das grandes. Se nem isso conseguimos... Bem, pode ser que seja mais fácil tomar as armas dos cidadãos tementes da lei. Ou não.

Na dúvida, tenho que admitir: se houver o tal referendo, voto contra a proibição do comércio de armas. Em desagravo às professorinhas e em tributo à minha insegurança ancestral. "