Segunda, 31 de janeiro, 2005
Crime e Castigo
| O LLL organizou um clube de leitura online, aonde os participantes (qualquer um interessado) publicam reviews e comentários nos seus próprios blogs e/ou num Fórum do SobreSites.
A escolha dos livros foi baseada numa votação dos 30 melhores livros de todos os tempos pelos leitores do LLL. O primeiro lugar ficou para Crime e Castigo do Dostoevsky, e esse foi o livro de Janeiro. Eu lí a edição em inglês (Bantam Classics), e aqui vai a minha review: |
A edição que eu li do livro começa com uma introdução de Joseph Frank, um Professor de Stanford e autor de uma das mais famosas biografias de Dostoevsky. São 19 paginas de texto, aonde ele conta um pouco da vida do autor na época que escreveu o livro, e acima de tudo, explica como Crime e Castigo ajuda na compreensão dos motivos que levaram à Revolução Bolshevik na Rússia algumas décadas depois.
A tese dele é que Raskolnikov representa um grupo de idéias da época, baseadas num utilitarismo generalizado e 'niilismo moral russo', que daria no futuro o suporte necessário para que o marxismo se espalhasse. Gostei bastante do texto, e inicialmente fiquei mais motivado para ler o livro. Porém, minhas expectativas sobre esse lado político/filosófico do livro ficaram exageradas, o que me incomodou um pouco durante a leitura.
As primeiras 200 páginas não impressionam. Além da ótima cena do crime e o perturbador pesadelo dos bêbados torturando a égua, todo o resto é extremamente lento e chato. Achei a descrição das 'febres' do Raskolnikov um artifício previsível e repetitivo. Tudo bem que a época era outra, e era comum "morrer de febre", mas achei o uso da metáfora muito exagerado. Pior ainda, essa idéia das febres continua sendo usada até o fim do livro, em vários personagens, e com o mesmo efeito.
Mas a partir da Parte 3 o livro melhora. Finalmente as referências mais elaboradas aparecem (o desabafo de Raskolnikov para Sonia é muito bom), novos personagens chegam, e a leitura fica muito mais dinâmica. Não gostei particularmente de nenhum personagem mas achei que no geral todos foram bem construidos, e o universo dele passa um realismo convincente.
Apesar da trama em sí ser simples, o livro todo parece um prelúdio para um fim revelador. Parece que todos personagens estão somente costurando as beiradas da história, esperando até o momento em que a decisão final de Raskolnikov seja tomada e os pontos sejam conectados.
E quando o final chegou, fiquei decepcionado. Não somente com a cena da redenção religiosa do Raskolnikov, mas com toda a conclusão da trama. Parece que Dostoevsky foi montando esse tabuleiro complexo, confrontando ideologias, vida e morte, certo e errado, sociedade e indivíduo, para no final desistir e optar pela resposta mais fácil, culpando tudo na degradação moral e religiosa da sociedade. O suicídio do Svridigáilov é talvez o simbolo mais claro dessa escolha.
Joseph Frank diz na introdução que Dostoevsky não pretendia propor soluções em Crime e Castigo, somente descrever os problemas. Eu discordo. O que me parece é que Dostoevsky escreveu justamente esperando que, depois de construir tão bem os personagens e situações que representassem o problema, o livro ajudasse ele próprio a descobrir e propor uma solução (quem sabe para sua própria vida). Depois de mais de 500 páginas, parece que o livro se recusou à responder ao mestre, e ele continuou perdido nas suas dúvidas. Resolveu desistir e jogar o problema nas mãos de Deus.