Friday, January 21, 2005



Sábado, 22 de janeiro, 2005

Fim de papo

Até recentement eu achava que a tal antagonistic contradiction marxista fosse algo do passado. Afinal, o comunismo foi derrotado, a social-democracia é no fim das contas uma democracia, e no fim das contas, people should know better.

Eu estava errado, e aprendi isso da maneira mais difícil. Tudo começou quando reencontrei um amigo meu de infância há uns 2 anos atrás. Desde então, começamos uma série de "debates" por email. Hoje, depois de várias dezenas de emails, coloquei um ponto final na história.

Parte da culpa foi minha. Devia ter parado há muito tempo. Logo que começaram as ofensas pessoais, quando a repetição tomava mais e mais das mensagens, e a beligerância se tornava regra e não exceção.

Mas eu ainda acreditava no diálogo. Achava que se ele não reconhecia a validade dos meus argumentos, a culpa devia ser minha. "Deixa eu escrever esse email de novo, dessa vez não tem como ele não entender!"

Não teve jeito. Resolvi fechar esse assunto com este post. Quem sabe até consigo salvar alguém de uma perda de tempo parecida? Não pensem que é brincadeira. Ele é um sujeito inteligente, cursando pós-graduação na USP e trabalhando num banco federal. A endoutrinação que ele sofreu reflete bem o pensamento da esquerda brasileira e, consequentemente, o tamanho do buraco que estamos. Aqui vai um resumo das teorias que ele me apresentou:

- O mundo continua dividido em classes. Basicamente a velha teoria marxista, mas com uma roupinha moderna. A classe dos 'favorecidos' (que para ele é qualquer um que não seja paupérrimo) é culpada pelo sofrimento do mundo. Qualquer conquista pessoal de um favorecido é totalmente descartável e inconsequente. Você não faz nada menos que sua obrigação. Consequentemente, toda pobreza é imposta aos pobres de maneira definitiva e inescapável. Se por um milagre alguém sair dessa pobreza, muda automaticamente de classe e vira parte do problema. Uma espécie de determinismo a la Bundle Theory de Hume, misturada com uma pitada de Spinoza e levada ao extremo.

- O capitalismo é um sistema terrivel e principal culpado pelos problemas do mundo. Ele acredita que a evolução das últimas décadas foi causada "pelos avanços da tecnologia e do conhecimento humano", mas nega qualquer ligação entre esses avanços e o capitalismo. Ele adora citar que a maior desavença dele com o Lula é a economia.

- EUA e Israel são Estados terroristas. Nao vê diferença alguma entre ataques militares e atentados contra civís, inclusive crianças (ele justifica dizendo que é a única opção deles). Obviamente, ele acredita que 9/11 foi merecido. Ele acha Bush e Bin Laden iguais, "dois pscicóticos comandantes de exércitos de destruição - com a diferença que um é mais aparelhado que outro".

- Ele pregava uma espécie de Radical Empiricism. Funcionava como a desculpa perfeita para desqualificar qualquer argumento que ele não tivesse resposta. Eu não podia falar sobre pobreza porque não era pobre, não podia criticar o Brasil porque nunca tinha visitado o país inteiro. Depois de inúmeras contradições, quando eu usei propositalmente a mesma tática para desmerecer os argumentos dele, ele mudou o discurso e concluiu que "com um mínimo de imaginação e senso observativo, não é necessário passar por tudo isso". A palavra chave aqui é imaginação. A dele, of course.

- Acha insignificante que os textos americanos sejam mal traduzidos, mesmo sem saber ler inglês. Acredita que toda imprensa americana é de direita, e cita a CNN como exemplo. Adora o Emir Sader.

- As tendências autoritárias são enormes. Ele foi contra o plebicito na Venezuela por achar que era "comprado pelos EUA" (não soube explicar como o resultado não foi). Foi a favor do Conselho de Jornalismo e do fichamento de americanos nos aeroportos. Repudia os golpes militares na América do Sul mas acha que os golpes comunistas, como o de Cuba, foram totalmente justificáveis. Um dos últimos emails que me mandou foi esse texto do Arbex publicado na Caros Amigos aonde ele elogia a Síria.

- Falando em Cuba, ele acha que a ilha é "um exemplo social". Acredita piamente que indicadores como os da PNUD são muito mais válidos do que qualquer indicador econômico. Aliás, disse que PIB per capita não significa nada. Além disso, afirmou que os abusos do Fidel foram exceções. Chamou os que fugiram para os EUA de "vermes", e ainda disse que os descontentes com o regime somente representavam uma "minoria risível". Lembrei que os cubanos-americanos totalizavam mais de 1.2 milhões de pessoas, mas isso não pareceu importar muito para ele.

Fica fácil imaginar todos os fatos e argumentos que eu usei para rebater todos esses absurdos, mas nada funcionou. Ele não somente é incapaz de chegar em qualquer tipo de meio termo, como também não consegue aceitar o fato de eu não ser radical como ele. Quando eu dizia que discordava do Bush nessa ou aquela área, ele simplesmente ignorava. O que importava é que eu não achava o homem um demônio. Por tabela, eu era obrigado a concordar com todo o resto.

Felizmente para ele, vivemos numa sociedade que permite que ele acredite em tudo isso sem problema algum. Ele pode continuar dirigindo seu carrinho, pegando uma onda, usando das regalias que sua classe favorecida oferece, e ao mesmo tempo erguer a voz no barzinho e explicar como somos culpados pelo sofrimento alheio, com sua cervejinha gelada na mão. Coisa que os "socialmente felizardos" cubanos, que ele tanto conhece e se importa, com certeza não podem.

Have a nice life my friend.

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