Friday, February 18, 2005



Sexta, 18 de fevereiro, 2005

Friedman, Síria e o Líbano

Podem falar o que for do Friedman, mas para mim ele ainda é quem mais entende sobre Oriente Médio na imprensa americana.

Pensei em fazer um resumo do editorial sobre a morte do premiê libanês Rafik Hariri (original aqui) mas não dá. O texto todo é ótimo, e vale perder 2 minutos a mais e ir do começo ao fim. Aqui vai:

"Damasco não tem mais desculpa

THOMAS L. FRIEDMAN
DO "NEW YORK TIMES"

Um amigo do premiê libanês Rafik Hariri passou por meu escritório há 15 dias para me transmitir uma mensagem de Hariri, que eu conhecia desde o final dos anos 1970. A mensagem era que a oposição libanesa à ocupação síria estava se unindo, inspirada tanto pelo exemplo do Iraque quanto pelos excessos cada vez maiores da ocupação síria. Hariri, disse o amigo dele, planejava utilizar as eleições parlamentares próximas no Líbano para transmitir à Síria uma mensagem contundente: "É hora de vocês partirem".

Não há mais desculpa para a ocupação síria do Líbano, exceto o imperialismo nu e cru e o desejo de desviar recursos do Líbano.

Será difícil provar quem matou Rafik Hariri. Mas a gangue que governa a Síria possui toda a habilidade, a experiência e a motivação necessárias para assassinar o estadista libanês, pelo modo como ele se aliara a Paris e Washington para aprovar a resolução recente da ONU, de número 1559, pedindo a imediata retirada síria do Líbano. Hariri fez pressão em favor dessa resolução da ONU e renunciou a seu cargo depois que a Síria deturpou a democracia libanesa, forçando o Parlamento a aceitar uma extensão de três anos do mandato de Emile Lahoud, o presidente fantoche dos sírios.

Quando o regime do Baath na Síria se sente empurrado contra a parede, ele sempre recorre às "regras de Hama". Este é um termo que eu cunhei depois que o Exército sírio nivelou -literalmente- uma parte da cidade de Hama, na própria Síria, para reprimir uma revolta de fundamentalistas sunitas em 1982. Entre 10 mil e 20 mil sírios acabaram enterrados nos escombros. O assassinato de Hariri possui todas as características das regras de Hama.

Mensagem do regime sírio a Washington, a Paris e à oposição libanesa: "Se vocês quiserem jogar aqui, é bom estarem preparados para jogar pelas regras de Hama" -e as regras de Hama significam a ausência total de regras.

"Se vocês querem nos encurralar entre o Iraque, de um lado, e a oposição libanesa do outro, é bom que estejam preparados para usar mais do que apenas resoluções da ONU. É bom que estejam dispostos a recorrer a tudo, porque é isso que nós vamos fazer. Mas vocês, americanos, já estão exaustos com o Iraque, vocês, libaneses, não têm a coragem de nos enfrentar, e vocês, franceses, fazem croissants ótimos, mas não têm regras de Hama em seu arsenal. Então é bom que lembrem: nós, aqui, explodimos premiês. Atiramos contra jornalistas. Disparamos contra a Cruz Vermelha. Arrasamos uma de nossas próprias cidades. Vocês querem jogar pelas regras de Hama? Então queremos ver seu jogo."

Um indício de até que ponto os libaneses estão fartos da ocupação síria e das regras de Hama é o fato de todos estarem abertamente acusando a Síria pela morte de Hariri.O que mais os libaneses podem fazer? Eles precisam unir todas suas comunidades e contra-atacar o regime sírio com as "regras de Bagdá", demonstradas há dez dias pelos eleitores iraquianos. As regras de Bagdá são o que acontece quando um público árabe faz algo inusitado: sai às ruas, desafiando jihadistas e baathistas, e expressa sua vontade democrática.

Rafik Hariri tinha parado de jogar pelas "regras libanesas" -ou seja, dobrar-se a qualquer imposição síria- e desafiara o imperialismo sírio abertamente. Se os libaneses quiserem ser livres, terão de tomar a dianteira. Terão de dotar-se da mesma coragem cívica da qual Hariri se armou e fazer o que fez o público iraquiano: ter coragem de olhar os fascistas no olho, chamá-los por seus nomes reais e criticar a União Européia e a Liga Árabe por sua disposição em ignorar a opressão síria.
Nada deixa mais furiosa uma ditadura como a síria do que a desobediência civil e a verdade -ou seja, que as pessoas deixem de se intimidar, se ergam em defesa de sua liberdade e entrem em greve contra as forças de ocupação."

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