Segunda, 23 de maio, 2005
Ainda sobre o desarmamento
O Edson escreveu um comentário bem interessante em resposta ao meu post sobre o desarmamento, e aqui vai minha resposta: (comentários do Edson em itálico)
"Curioso que eu também mandei um e-mail para o Schwartsman sobre o mesmo artigo, mas com um enfoque inverso, eu diria. Eu o avisei que o John R. Lott Jr. não é apenas alguém que tem teorias diferentes, mas uma farsa mesmo. Pelo menos é o que se conclui a partir de uma reportagem da Época. Dêem uma olhada: Argumentos furados
Bom, não sabia dessas denúncias mas não me surpreendo. Acho que eu deixei claro no meu texto que os dados dos dois lados são frequentemente manipulados (tanto que a reportagem da Época cita o caso desse tal Michael Bellesiles que eu nem conhecia).
"E bem, a sua argumentação sobre a relação entre suicídios e crimes intersubjetivos é completamente falha, Paulo. Acho que você esqueceu de olhar as estatísticas divulgadas recentemente pela Unesco sobre mortes por arma de fogo. O uso de armas de fogo para homicídio no Brasil é MUITO maior do que para suicídio. A taxa é de (assustadores) 22,15 homicídios por arma de fogo a cada 100.000 pessoas, contra 1,16 de suicídios. Só pra comparar, nos EUA, pelos mesmos dados da Unesco, a taxa é de 3,98 homicídios e 5,92 suicídios. Ou seja: mesmo se apenas uns 10% dos homicídios fossem decorrentes de conflitos intersubjetivos, eles representariam o DOBRO do número de suicídios."
Eu não esqueci de olhar essas estatísticas, eu simplesmente não sabia que elas existiam. Mas para você ver como os números variam, achei essa pesquisa da World Health Orrganization com estatísticas sobre suicídio, e fui lá conferir. De acordo com eles, o Brasil tem uma taxa de suicídio de 4,1 para cada 100 mil habitantes, e não 1,16. Os EUA tem uma taxa de 10,4 (e não 5,92), e o Canada chega a 11,7. Vale notar que nenhum desses países chega nem perto das taxas mais altas (achei um 'Top 10' aqui).
Sobre o estudo da Unesco, não achei o documento original, somente notícias como esta. O problema com esse tipo de estatística é que geralmente as categorias agrupadas são diversas. Por exemplo, esse número provavelmente inclui mortes 'legais' (policiais matando criminosos) assim como mortes diretamente relacionadas com crimes. De acordo com o argumento do Schwartsman (e o meu também) esse tipo de morte não será afetada positivamente pela nova lei.
Será que no fim das contas esse número de mortes por arma de fogo tão alto não mostra justamente que a criminalidade do Brasil é a maior causa do problema? Só podemos especular.
"Enfim, parece que você acabou caindo nas dificuldades em diferenciar correlações e causas que você mesmo apontou. Ao que me parece, o fato de armas de fogo serem mais usadas para suicídios é uma consequência do alto número de pessoas que tenham armas em casa, e não simplesmente o padrão geral para países tão diferentes como Canádá, Brasil e EUA, como você imaginou. Mesmo no Canadá, que tem restrições maiores que os americanos, eu pesquei um estudo no google que mostra como alguns estados canadenses que tem mais de 60% de casas com armas têm taxas de suicídios bem maiores do que os que tem menos armas (a maioria dos estados têm entre 20 e 30% de pessoas com armas em casa). O link do estudo é http://www.guncontrol.ca/Content/TheCaseForGunControl.html"
Bom, essa relação entre disponibilidade de armas e suicídio eu pesquisei, e pelo que achei não existe um consenso. Alguns estudos aqui nos EUA mostram uma correlação entre Estados com mais armas e maior número de suicídios. Mas essa regra não existe quando se compara diferentes países pelo mundo. Aliás, é bem fácil verificar isso usando os números da WHO. Os paises nórdicos, Japão, França, Alemanha, Hungria (um dos mais altos), Nova Zelândia, etc, tem taixas mais altas que as do EUA e tem proporções menores de armas. Fatores culturais e econômicos parecem ter um peso muito maior do que posse de armas nesses casos (e é por isso talvez que o Schwartsman não espera uma queda nesses números no Brasil).
O resto do mensagem é sobre o perigo das armas nos chamados "conflitos intersubjetivos". Não tenho como argumentar que o controle de armas não fosse diminuir essas mortes, e apesar de ainda não ter visto estatísticas específicas, não duvido que elas sejam muitas.
Tenho somente um comentário sobre esse aspecto do problema. O fato de que esses "conflitos intersubjetivos" parecem ser mais comuns no Brasil do que em outros países mostra que existe algum fator determinante bem específico. E se países com muito mais armas (como os EUA) e outros muito mais violentos (como a Colômbia) não tem esse problema de maneira tão séria, a proibição de armas pode acabar não sendo eficiente como se imagina. Tudo me leva a crer que a origem do problema não é cultural ou econômica, como no caso do suicídio, e sim uma consequência do clima de impunidade geral e corrupção que reina na polícia brasileira. Nesse caso, pode-se especular que a substituição de armas legais por ilegais será muito mais comum do que o esperado, e no fim das contas o desarmamento será completamente ineficiente para esses casos.
E não podemos esquecer que esse desarmamento não virá de graça. Será que esses milhões não seriam melhor gastos em melhores salários e treinamento para a polícia? Ou quem sabe em uma reforma do sistema carcerário?
Eu ainda acho que sim.
11 comments:
Lembrei também do trabalho do Levitt e seus levantamentos meio "freak", mas parece que ele realmente demonstra que as chances de que uma criança morra em acidente envolvendo arma de fogo são 100 vezes menores do que as chances de uma criança morrer numa piscina doméstica.
Vamos acabar com o faroeste das piscinas domésticas? Pelas criancinhas!!
Me surpreende q dois argumentos ainda não tenham sido postos:
1) O DIREITO numa democracia de todo cidadão dispor livremente de si mesmo e de seus bens - sem, portanto, a intervenção do Estado.
Aborto, união civil de pessoas do mesmo sexo, livre armamento, consumo, produção e comercialização de drogas são DIREITOS de qualquer cidadão numa democracia.
Ou seja: o Estado ou a maioria pode muito pouco numa democracia quando se trata de legislar.
O Estado só pode legislar sobre a relação entre os indivíduos e jamais intervir na relação do sujeito com ele mesmo. Ainda mais preventivamente.
O argumento de que um sujeito armado PODE matar alguém é juridicamente absurdo. Equivale a combater a obesidade proibindo a fabricação de bombons.
2)Os índices de criminalidade no Brasil são consequência DIRETA da impunidade que resulta da corrupção e ineficiência da polícia e da justiça. Não precisa ir tão longe em busca de números: outro dia, uma reportagem do Fantástico mostrou que existe uma "fila" de homicídios para serem apurados de mais de mil casos. Não lembro o percentual, mas a chance de um sujeito escapar impune de um homicídio é MUITO grande. Apavorantemente grande.
Perfeita a colocação do Antônio. Por isso eu não me aventuro nessas discussões estatísticas. É questão de princípios. Só discordo dele na questão do aborto pois, no meu entender, uma mãe que aborta não está fazendo livre uso do seu corpo mas sim de outro indivíduo que seria o bebê. Mas isso é questão de premissa.
PS: O Cesar Maia já tentou combater a obesidade proinbindo a venda de guloseimas nas cantinas escolares. :-)
Claudio, admito que o aborto é questão complexa, mas prefiro atribuir à mãe a responsabilidade pelo feto do que deixar que o Estado se intrometa nisso.
Sabe aquela história de bônus e ônus?
homicídio não é direito, ou "responsabilidade da mãe". Se o Estado deve se meter caso cometam assassinato, deve se meter no aborto também.
A verdade é que quem quer fazer, acaba fazendo. E quem mais faz são patricinhas, meninas de classe média e não "os pobres". Admito que tirar uma estatística daí é complicada, porque, afinal, quantas pessoas foram presas (ou fichadas) por aborto? Então fica meu registro pessoal, mesmo.
Aborto de um feto de um ou dois meses não é homicídio.
A legalização não visa a "os pobres". É apenas o reconhecimento de um direito do cidadão num Estado democrático.
O problema da campanha do desarmamento é que até agora ele só gastou dinheiro para comprar coleções encostadas de viúvas de colecionadores.
Há outros pontos não notados, como a possibilidade do mercado negro se alimentar da demanda do mercado legal.
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